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eauriz entrevista: Geovane Souza

Quem compartilha alguns trechos de sua história com o eauriz hoje é o Geovane Souza. Ele tem 45 anos, reside no Rio de Janeiro/RJ, foi controlador de tráfego aéreo e agora atua no setor de eventos. Sua reabilitação é por meio do uso de aparelho auditivo.

Geovane teve sua primeira perda por volta de 2014, mas a data oficial do episódio que o mergulhou na surdez foi dia 04 de novembro de 2018.

Em seu site (um local para a expressão de uma das formas preferidas de comunicação dele – a escrita) Geovane faz reflexões sobre surdez. Ele relata que escrever sobre sua perda auditiva e a luta pela adaptação o faz bem pela perspectiva de inspirar outras pessoas a não deixarem de lutar, utilizando criatividade, boa vontade e bom humor.

Confira a entrevista completa:

1) Há quanto tempo possui perda auditiva?
Minha primeira perda ocorreu por volta de 2014 e, embora tenha sido uma perda moderada, agora posso considerar que a vida naquela época era bastante mais fácil. A data oficial do episódio que me mergulhou na surdez – ainda não sei se profunda ou severa – foi dia 04 de novembro de 2018.

2) Como ocorreu a descoberta da sua surdez?
Ambas as ocasiões foram bastante marcantes: na primeira perda (moderada) eu estava correndo na esteira de uma academia e todos os sons ficaram abafados, coisa impossível de não ser percebida. Na segunda perda, profunda ou severa, eu estava lavando louça e, por exemplo, a voz de meus filhos foram se tornando apitos e comecei a escutar um som de curto-circuito que, na verdade, eram os carros que passavam na rua. Então, pensando dessa forma, não houve exatamente uma “descoberta”: a surdez foi jogada, sem dó nem piedade, na minha cabeça!

3) Como foi o apoio familiar e de amigos e qual a importância desse apoio no momento dos primeiros sintomas e a descoberta da surdez?
Tive um momento marcante de depressão antes da surdez. Acredito muito que ocasionado pelo estresse da profissão.

Meu casamento, ao contrário dos de muitos outros controladores de tráfego aéreo, sobreviveu a um transtorno ansioso depressivo com episódios de síndrome de pânico. Foi muito importante reconhecer minha condição (pouca gente reconhece uma doença cujos sintomas são comportamentais), bem como estabelecer formas de comunicação que permitiam manter a estrutura familiar coesa no meio dessa tempestade.

Na surdez, com sintomas de reconhecimento bastante óbvios para os outros, (como aumentar muito o volume da TV e as outras pessoas dizerem que está bastante alto), toda a nossa estrutura de comunicação teve de ser adaptada. Porém, de certo modo, podemos considerar que o processo foi significativamente mais fácil, pois para o indivíduo doente e/ou com deficiência é fundamental contar com o respeito e a confiança dos familiares para poder apresentar seus limites e se lançar em busca de diagnóstico e tratamento.

4) Qual foi o impacto em sua carreira e quais são seus desafios profissionais atualmente?
Por ser freelancer, havia assumido um compromisso profissional, antecipadamente para um dia após o episódio dramático da piora do meu grau de surdez e, mesmo absolutamente surdo, compareci ao trabalho. Minha função era atender como recepcionista em um evento internacional, no Rio. Nesse universo de trabalho em eventos não há seguro nem dispensa médica e quem não vai simplesmente não recebe. Além disso, corre-se o risco de se queimar com o cliente e ficar marcado negativamente para nunca mais trabalhar!

Nesse trabalho, apesar da dificuldade para ouvir, usei a criatividade e consegui atender satisfatoriamente ao público, em inglês e em espanhol, por quatro dias. Só após isso tive oportunidade para ir aos médicos, realizar exames (inclusive a audiometria), ajustar os aparelhos e os moldes auriculares. Agora posso dizer que está quase tudo sob controle.

Após esse episódio, decidi que não iria mais aceitar trabalhos em secretarias de eventos, por receio de algum problema para compreender o público nervoso que, após umas longa fila, precisa do seu atendimento.

Na verdade, essa condição acabou consolidando o “upgrade” que vinha implementando e posso parafrasear o filme Tropa de Elite: “caí para cima”, ou seja, vi no momento uma oportunidade de investir em outras áreas.

5) Em seu site você faz reflexões sobre surdez. Como isso tem lhe ajudado a lidar com sua perda auditiva?

Cada um tem sua forma de expressão e minha preferida é a escrita, pois tenho prazer em organizar as palavras até conseguir passar o momento e a emoção (ou o conceito) desejado. Sempre, e muito antes de ser surdo, disse à minha esposa que escrevo muito melhor do que falo!

Infelizmente, a educação brasileira vem sendo nivelada por baixo, afastando a população da linguagem escrita e lançando uma cultura de palavras curtas, onomatopeias e abreviações. Isso me dá a certeza de que poucos terão acesso a meus textos e, acima de tudo, pleno entendimento deles.

Ainda assim, sinto que relatando minhas experiências posso auxiliar alguém que esteja passando por coisas parecidas. Sabendo que cada um tem sua própria forma de reagir e lidar com os problemas, espero que minhas palavras possam ser utilizadas com sabedoria, em prol da superação pessoal, do entendimento e da busca por soluções. Enfim, escrever em meu site sobre minha perda auditiva e minha luta pela adaptação me faz bem pela perspectiva de inspirar outras pessoas.

6) Em uma pequena frase, dê uma dica para pessoas com perda auditiva.
Estou surdo há tão pouco tempo que não me vejo sendo capaz de dar dicas a quem já vem lidando com isso por anos. Tento me virar com criatividade, boa vontade e bom humor, sempre lembrando que enquanto há vida, há esperança!

7) Qual mensagem você gostaria de deixar para as pessoas que convivem com pessoas com surdez?
Tenham PACIÊNCIA! Façam acordos e esquematizem a comunicação.
Aqui em casa faço muitas tarefas, mas no verão do Rio de Janeiro o suor é perigoso demais para meus aparelhos, por isso definimos que tenho dois modos de operação: o modo “besta surda” (geralmente pela manhã, quando limpo, lavo e arrumo, me comunicando apenas quando preciso, por escrito); e o modo “escutador” (quando estou de aparelhos, me comunicando como posso). E evito esforços o tanto quanto é possível na companhia de duas crianças.

Conheça o trabalho do Geovane Souza por meio dos endereços abaixo:

https://geovanesou.com/author/geovanesou/
https://www.facebook.com/geovanesou
https://www.facebook.com/audioativado/

Confira também as entrevistas que fizemos com a Evelyn Glennie, Lak Lobato, entre outros.