eauriz entrevista: Lak Lobato
Quem conta hoje para o eauriz a sua história é a Lakshmi, mais conhecida como Lak Lobato. Lak é blogueira, escritora e comunicadora. Na entrevista, ela relata trechos da sua experiência de vida como surda oralizada.
Inicialmente Lak dedicava seus textos a “incentivar as pessoas com perda auditiva a buscarem soluções auditivas. Mas isso respingou nos ouvintes, porque eles vão vivendo cada vez mais no piloto automático e se esquecem de apreciar os dons que tem.” Assim, hoje, Lak dedica-se a transmitir a mensagem para todas as pessoas, independente da perda ou não, de que “ouvir é muito mais que ter facilidade de se comunicar verbalmente com os outros. Ouvir é ter oportunidade de escutar toda a trilha sonora que a vida nos oferece.”
Confira a entrevista completa:
Conte-nos há quanto tempo possui a perda auditiva e um pouco da sua trajetória no processo de reabilitação auditiva.
Eu tenho uma história de surdez incômoda, sabe? Incomoda no sentido que ela não tem uma explicação boa o bastante. Eu acordei surda, aos 9 anos de idade. Sem nenhum histórico na família, sem nenhum diagnóstico preciso. Talvez sequela de caxumba, talvez de meningite. Isso aconteceu em fevereiro de 1987.
Comecei a fazer terapia de fala logo depois. Tentei usar aparelhos auditivos, mas a minha perda é quase total e eles não me davam muito retorno. De forma que eu usei muito pouco aparelho, por 22 anos. Até que, em 2009, fiz a cirurgia de implante coclear. Com ele, pude recuperar a capacidade de ouvir.
Conte-nos um pouco da sua trajetória profissional
Sou formada em comunicação social, minha especialização é em fotografia publicitária. De fato, eu fui fotógrafa durante muito tempo. Mas, foi uma escolha que eu fiz mais baseada na facilidade por conta da surdez (o que é mais fácil para um surdo que trabalhar com imagens?) do que em gosto. Um dia, me dei conta que meu sonho era ser contadora de histórias. Eu adoro compartilhar histórias. Por isso, fiz um blog, o “Desculpe, não ouvi!”, que virou livro e resultou em um monte de palestras.
Tudo isso, feito em paralelo com trabalhos formais em empresas. Trabalhei como arte finalista, como redatora online, como analista de comunicação e marketing. Até que recentemente, virei employer branding de uma multinacional, voltado especificamente para a área de inclusão de profissionais com deficiência.
Como os livros que você escreveu têm influenciado pessoas com ou sem perda auditiva?
Eu falo de surdez no olhar de quem perde a audição, sente falta e quer ela de volta. Muitos pais se identificam com esse olhar, porque querem compartilhar a vida sonora com os filhos. Eu não vendo tecnologias auditivas, eu falo do prazer de ouvir.
Inicialmente, a ideia era incentivar as pessoas com perda auditiva a buscarem soluções auditivas. Mas isso respingou nos ouvintes, porque eles vão vivendo cada vez mais no piloto automático e se esquecem de apreciar os dons que tem. Quando falo para alguém “Olha que lindo é poder ouvir a pipoca estourando na panela”, muitas vezes, quem quer ouvir esse som é um ouvinte que já esqueceu como é bom parar e ouvir um som bobo do dia à dia.
Ouvir é muito mais que ter facilidade de se comunicar verbalmente com os outros. Ouvir é ter oportunidade de escutar toda a trilha sonora que a vida nos oferece. Mas, quando se torna natural, a gente vai perdendo a capacidade de se deslumbrar com os ínfimos barulhinhos que a vida oferece todos os dias!
Em um vídeo recente divulgado em seu canal você fala sobre diversidade da surdez. Como você enxerga a importância do entendimento e da divulgação desse conceito na sociedade?
A sociedade gosta de rotular e estereotipar pessoas. Colocar todas as pessoas em categorias…
No caso da perda auditiva, o mais comum é colocar todo surdo no grupo de usuários de língua de sinais. Há uma parcela grande de surdos que usam Libras, eles precisam de imenso respeito por sua língua, sua cultura e sua identidade.
Porém, a surdez não se resume a surdos profundos de nascença com dificuldade de reabilitar com próteses e implantes. Sendo assim, a Libras não contempla todas as necessidades de pessoas com deficiência auditiva.
Há pessoas que, como eu, nascem ouvintes e perdem a audição subitamente. Outras que perdem progressivamente. Outras que tem perda moderada e se dão bem com o uso de próteses auditivas. Outros que tem facilidade de fazer leitura labial. A deficiência auditiva que pode surgir em diversas etapas da vida, que afeta diferentes tipos de pessoas, que tem graus e graus.
Oferecer apenas uma solução para lidar com uma condição que afeta um grupo tão variado de pessoas é a mesma coisa que tentar impor que todo surdo tenha que usar uma prótese auditiva. Não funciona! E é desrespeitoso com a identidade de cada um.
Por isso, acho importante falar sobre diversidade e mostrar que acessibilidade é oferecer o que cada pessoa precisa, de acordo com as necessidades dela e não tentar moldá-la de acordo com o que a sociedade acha melhor!
Quais são os seus desafios hoje em relação a surdez hoje e como você lida com eles?
Hoje, o maior desafio é a questão do respeito pelo fato que eu não sou uma ouvinte, sou uma surda que ouve através de uma tecnologia. Que é ótima e me permite ouvir bem, mas não é uma cura. Tem horas que ela funciona perfeitamente, tem horas que ela não dribla as limitações sonoras. Por exemplo, locais muito barulhentos, locais onde a acústica é ruim, sons eletrônicos com chiado. Eu tenho dificuldade de participar de reuniões por telefone com mais de duas pessoas, tenho dificuldade de ligar para callcenter, porque são situações em que o ruído ambiente é muito grande!
Eu lido da maneira mais madura possível, avisando que tem coisas que simplesmente não dá para eu fazer. Eu posso tentar, mas se não funcionar, vou precisar de ajuda. E eu não tenho nenhuma vergonha de pedir ajuda!!
Qual mensagem você gostaria de deixar para o mundo e para as pessoas que estão lendo essa entrevista?
Respeitem a diversidade da surdez, respeitem os surdos que falam oralmente, os surdos que ouvem através de uma tecnologia, seja ela qual for! Respeitem os que fazem leitura labial. E aqueles que vivem a identidade surda através da Libras. Respeito é um caminho de mão dupla, quanto mais a gente oferece, mais é capaz de receber.
E, aproveitem plenamente as dádivas que a vida oferece! Ouvir é bom demais!
Conheça e acesse os canais de comunicação da Lak: